quinta-feira, 24 de setembro de 2015

                                                               SANTA BAKHITA




Muitas vezes as vias de Deus são incompreensíveis aos olhos humanos. Mas Ele sabe como conduzir as almas e os acontecimentos para realizar seu plano de amor e salvação.


Dotada de um caráter fácil e submisso, com uma marcada propensão para fazer o bem aos outros, a pequena descendente da tribo dos Dagiu Dava, desde a mais tenra infância, mostras de ser uma predileta de Deus.
Certa vez, estando com uma amiga nas proximidades de sua aldeia, situada na região de Darfur, no oeste do Sudão, Bakhita deparou-se com dois homens que surgiram de improviso de trás de uma cerca. Um deles pediu-lhe que fosse pegar um pacote que esquecera no bosque vizinho e disse á sua companheira que podia continuar o caminho, pois ela logo a alcançaria. ¨ Eu não duvidava de nada, obedeci imediatamente, como sempre fazia com a minha mãe ¨ - narrou ela.
Protegidos pela floresta e longe de qualquer testemunha importuna, os dois estrangeiros agarraram a menina e levaram-na á força com eles, ameaçando-a com um punhal. Sua ingenuidade, bem compreensível em seus oito anos, custaram-lhe caro.
Contudo, eram essas as misteriosas vias da Providencia, por meio das quais se realizaram os desígnios de Deus a seu respeito.
Se tal fato não tivesse ocorrido talvez sua vida teria continuado na normalidade do convívio familiar, em meio aos afazeres domésticos e ás práticas rituais do culto animista que professavam seus parentes. Provavelmente ela jamais conheceria a Fé católica, e permaneceria submersa nas trevas do paganismo.



UMA ESCRAVIDÃO PROVIDENCIAL


Empurrada violentamente por seus raptores, foi levada para uma cruel e penosa escravidão. E embora ela o ignorasse, estava dando os primeiros passos que a conduziram, á custa de sofrimentos atrozes, rumo á verdadeira liberdade de espirito e ao encontro com o grande Senhor a Quem já amava antes de conhecer.
Sim, desde muito pequena, Bakhita deleitava-se em contemplar o Sol, a Lua, as estrelas e as belezas da natureza, perguntando-se maravilhada:
¨Quem é o patrão destas coisas tão bonitas? E sentia uma grande vontade de vê-lo, de conhece-lo, de prestar-lhe homenagem.¨
Ensina São Tomás de Aquino que ¨ uma pessoa pode conseguir o efeito do Batismo pela força do Espirito Santo de água e até sem Batismo de sangue, quando seu coração é movido pelo Espirito Santo a Crer e amar a Deus e a arrepender-se de seus pecados.¨
É o que se chama Batismo ¨ de desejo ¨ ou ¨ de penitencia ¨. Apoiando-nos nessa doutrina, podemos supor que na alma admirativa da escrava sudanesa brilhava a luz da graça santificante, muito antes de ela receber o Batismo Sacramental.
Para Bakhita, porém, apenas começara a terrível série de padecimentos que se prolongaria durante 10 anos. Tal foi o choque produzido em seu espirito pela violência do sequestro, que ela esqueceu-se até do próprio nome. Assim, quando foi interrogada pelos bandidos, não pode pronunciar sequer uma palavra. Então um deles disse-lhe:
¨ Muito bem. Chamar-te-emos Bakhita.¨ Em sua voz havia um acento irônico, uma vez que este nome, em árabe, significa ¨ afortunada ¨.


PADECIMENTOS NO CATIVEIRO


Chegando a um povoado, Bakhita foi introduzida numa cabana miserável e trancada num quarto estreito e escuro, onde permaneceu durante um mês. ¨ Quando eu tenha sofrido naquele lugar, não se pode dizer com palavras,¨ escreveria ela mais tarde. Por fim, depois desses dias nos quais a porta não se abria senão para deixar passar um parco alimento, a prisioneira pode sair, não para ser posta em liberdade, mas para ser entregue a um traficante de escravos que acabava de adquiri-la.
Bakhita haveria de ser vendida cinco vezes sucessivas, aos mais variados patrões, exposta nos mercados, presa pelos pés a pesadas correntes e obrigada a trabalhar sem descanso para satisfazer os caprichos de seus amos. Colocada a serviço da mãe e da esposa de um general, a jovem escrava ali enfrentou os piores anos de sua existência, como ela mesma descreve:
¨ As chicotadas caíam em cima de nós sem misericórdia, de modo que deles, não me lembro de ter passsado um só dia sem lembro de ter passado um só dia sem feridas, porque não havia ainda sarado dos golpes recebidos e recebia outros ainda, sem saber a causa. [ ... ] Quantos maus tratos os escravos recebem sem nenhum motivo! [ ... ] Quantas companheiras minhas de desventura morreram pelo golpes sofridos!¨.
Além desses e de outros tormentos, fizeram-lhe uma tatuagem que a obrigou a permanecer imóvel sobre sua esteira por mais de um mês. Bakhita conservou até o fim da vida 144 cicatrizes sobre o corpo, alem de um leve defeito ao caminhar.
Certa vez, interrogada sobre a veracidade de tudo quanto fora contado a seu respeito, ela afirmou ter omitido em suas narrativas detalhes verdadeiramente espantosos, vistos apenas por Deus e impossíveis de serem ditos ou escritos. Entretanto, a mão do Senhor não a abandonou sequer um instante. Mesmo nos piores momentos, Bakhita sentia  dentro de si uma força misteriosa que a sustentava, impelindo-a a comportar-se com docilidade e obediência, sem nunca se desesperar.




 PROTEÇÃO AMOROSA DE DEUS


Anos mais tarde, lançando um olhar sobre seu passado, reconhecia a intervenção divina nos acontecimentos de sua vida : ¨ Posso dizer realmente que não morri por um milagre do Senhor, que me destinava a coisas melhores¨.
E a Ele manifestava sua gratidão :
¨ Se eu ficasse de joelhos a vida inteira, não diria, nunca, o bastante, toda a minha gratidão ao Bom Deus.¨
Prova dessa proteção amorosa de Deus, que a acompanhou desde a infância, foi a preservação de alma e de corpo na qual manteve, mesmo em meio ás torturas, sem que jamais sua castidade fosse atingida. ¨ Eu estive sempre no meio da lama, mas não me sujei. [ ... ] Nossa Senhora me protegeu, ainda que eu não A Conhecesse. [ ... ] Em várias ocasiões me senti protegida por um ser superior.


A MUDANÇA PARA A ITÁLIA


Em 1882, o general que a comprara teve de retornar á Turquia, seu país, e pôs á venda seus numerosos esccravos Bakhita, fazendo jus a seu nome, logo despertou a simpatia do cônsul italiano Calixto Legnani , que se dispôs a adquiri-la. ¨ Desta vez fui verdadeiramente afortunada, porque o novo patrão era bastante bom e começou a querer-me tanto bem.¨
Embora o cônsul não pareça ter-se esforçado em iniciar nas verdades da Fé a jovem escrava, durante os anos em que esta viveu em sua casa, este período foi para ela a aurora do encontro com a Igreja. Como católico que era, Legnani tratou Bakhita com bondade. Ali não havia castigos,, pancadas, nem mesmo repreensões, e ela pode gozar da doçura característica das relações entre aqueles que procuram cumprir os mandamentos da caridade cristã.
Ante o avanço de uma revolução nacionalista no Sudão, Calixto Legnani teve de voltar para a Itália. A pedido de Bakhita, levou-a consigo. Porém, chegados a Genova, o consul cedeu a jovem sudanesa a seus amigos, o casal Michieli.
Assim, ela passou a morar na residencia desta família, em Mirano, na região do Veneto, tendo  por encargo especial o cuidado da filha, a pequena Mimina.



O ENCONTRO COM O SEU VERDADEIRO PATRÃO E SENHOR


Estando ali, Bakhita recebeu de um amável senhor, que se interessava por ela, um belo crucifixo de prata : ¨ Explicou-me que Jesus Cristo, Filho de Deus, tinha morrido por nós.
Eu não sabia quem fosse [ ... ].
Recordo que ás escondidas o olhava e sentia uma coisa em mim que não sei explicar¨. Pouco a pouco, a graça foi trabalhando a alma sensível da ex-escrava africana, abrindo-a para as realidades sobrenaturais que ela desconhecia.
Em sua Encíclica Spe Salvi, o santo padre Bento XVI assim descreve o milagre que se operou no interior da Bakhita : ¨ Depois de ¨ patrões ¨ tão terriveis que a tiveram  como sua propriedade até agora, Bakhita acabou por conhecer um patrão totalmente diferente-no dialeto veneziano que agora tinha aprendido, chamava ¨ Paron ¨ ao Deus vivo, ao Deus de Jesus Cristo.
Até então só tinha conhecido patrões que a desprezavam e maltratavam ou, na melhor das hipóteses, a considerava uma escrava útil. Mas agora ouvia dizer que existe um ¨ Paron ¨ acima de todos os patrões, o Senhor de todos os senhores, e que este Senhor é bom, a bondade em pessoa. Soube que este Senhor também a conhecia, tinha-a criado; mais ainda, amava-a também ela era amada, e precisamente pelo ¨ paron ¨ supremo, diante do qual todos os outros patrões não passam de miseráveis servos. Ela era conhecida, amada e esperada; mais ainda, este Patrão tinha enfrentado pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava á espera dela ¨ á direita do Pai.¨



UMA INESPERADA DECISÃO, CHEIA DE VALENTIA


Mais sofrimentos ainda a aguardavam, embora de ordem muito diversa dos anteriormente suportado:
Deus lhe pediria uma prova de sua entrega, de sua renúncia a tudo, em razão do amor a Ele, oferecia de livre e espontânea vontade.
Quando Bakhita, já instruída na Religião Católica pelas Irmãs Canossianas de Veneza, preparava-se  para receber, o Batismo, sua patroa quis levá-la de novo ao Sudão, onde a família Michieli resolvera fixa-se definitivamente. De caráter flexível e submisso, acostumada a se considerar propriedade de seus donos revelou ela, naquela conjuntura, uma coragem até então desconhecida mesmo pelos seus mais próximos. Temendo que aquela volta pusesse em risco sua perseverança, negou-se a seguir sua senhora.
As promessas de uma vida fácil, a perspectiva de rever sua pátria, a profunda afeição a Mimida e a gratidão a seus amos, nada disso pode mudar sua decisão de dar-se a Jesus Cristo para sempre. Bakhita mostrara-se sempre dócil a seus superiores. Agora manifestava de outra forma essa virtude, obedecendo mais a Deus do que aos homens ( CF. AT 4, 19 ). ¨ Era o Senhor que me infundia tanta firmeza, porque queria fazer-me toda sua¨.






A ENTREGA DEFINITIVA A DEUS


Tendo saído vitoriosa dessa batalha, Bakhita foi batizada, crismada e recebeu  a Eucaristia das mãos do Patriarca de Veneza, no dia 9  de Janeiro de 1890. Foram-lhe postos os nomes de Josefina Margarida Afortunada. ¨ Recebi o Batismo com uma alegria que só os anjos poderiam descrever¨, narraria mais tarde.
Pouco depois, querendo selar sua entrega a Deus de maneira irreversível, solicitou seu ingresso no Instituto das Filhas de Caridade, em 1896, após cumprir seu noviciado com exemplar fervor, Josefina pronunciou seus votos na Casa-Mãe do Instituto, em Verona.
A partir dai sua vida foi um constante ato de amor a Deus, um dar-se aos outros, sem restrições, sem reservas. Ora encarregada de funções humildes, como a cozinha ou a portaria, ora enviada em missão através da Itália, a Santa sudanesa aceitava com verdadeira alegria tudo quanto lhe ordenavam, conquistando a simpatia daqueles que a rodeavam, sem se cansar de dizer :
¨ Sede bons, amai o Senhor, rezai por aqueles que não O conhecem¨.
Sobre o espirito missionário de Bakhita comenta  Bento XVI em sua encíclica: ¨  A libertação recebida através do encontro com o Deus de Jesus Cristo, sentia que devia estende-la, tinha de ser dada também a outros, ao maior número possível de pessoas. A esperança, que nascera para ela, e a ¨ redimida ¨, não podia guarda-la para si; esta esperança devia chegar a muitos, chegar a todos¨.


SUBMISSÃO ATÉ O FIM


Por fim, após mais de 50 anos de frutuosa vida religiosa, durante os quais suas virtudes se acrisolaram no fogo da caridade, Bakhita sentiu a morte aproximar-se. Atacada por repetidas bronquites e pneumonias, que foram minando sua saúde, suportou tudo com fortaleza de animo. Em suas últimas palavras, proferidas pouco antes de seu falecimento, deixou transparecer o gozo que lhe enchia a alma: ¨ Quando uma pessoa ama tanto uma outra, deseja ardentemente ir para junto dela : por que, então, tanto medo da morte? A morte nos leva a Deus¨.
Em 8 fevereiro de 1947, a Irmã Josefina recebeu os últimos Sacramentos, acompanhando com atenção e piedade todas as orações. Avisada de que aquele dia era um sábado, seu semblante pareceu iluminar-se face a face com o ¨ paron ¨, que desde pequenina ansiava por conhecer.
Seu corpo, transladado para junto da Igreja, foi objeto da veneração de numerosos fiéis, que durante três dias ali afluirão, desejosos de contemplar pela última vez a querida Madre Moretta, como era carinhosamente conhecida, que com tanta bondade os tratara sempre. Miraculosamente, seus membros conservaram-se flexíveis durante esse período, sendo possível mover seus braços para por sua mão sobre a cabeça das crianças.
Por este meio, Santa Josefina Bakhita revelava o grande segredo de sua santidade, refletido em seu próprio corpo. A via pela Deus a chamara fora a da submissão heroica á vontade divina e, para a posteridade, ela deixava um modelo a ser seguido. A  humildade, a mansidão e a obediência transparecem em suas palavras,  numa disposição verdadeiramente sublime de sua alma :
¨ Se encontrasse aqueles negreiros que me raptaram, e mesmo aqueles que me torturam, ajoelhar-me-ia para beijar suas mãos; porque, se isto não tivesse acontecido, eu não seria agora cristã e religiosa¨.























Santa Josefina Bakhita, rogai a Deus por nós e dai- nos a graça de uma radical submissão a santa vontade de Deus, para sermos verdadeiramente felizes e realizados e alcançarmos a plenitude da vida no céu.





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