sexta-feira, 3 de março de 2017

                          MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA 2017






AMADOS IRMÃOS E IRMÃS!
A Quaresma é um novo começo, uma estrada que leva a um destino seguro : a Páscoa de Ressurreição, a vitória de Cristo sobre a morte. E este tempo não cessa de nos dirigir um forte convite á conversão : o cristão é chamado a voltar para Deus " de todo o coração " ( JL 2, 12 ), não se contentando com uma vida medíocre, mas crescendo na amizade do Senhor. Jesus é o amigo fiel que nunca nos abandona, pois, mesmo quando pecamos, espera pacientemente pelo nosso regresso a Ele e, com esta espera, manifesta a sua vontade de perdão ( CF. HOMILIA NA SANTA MISSA DE 8 DE JANEIRO DE 2016).
A Quaresma é o momento favorável para intensificarmos a vida espiritual através dos meios santos que a Igreja nos propõe : aqui queria deter-me, em particular, na parábola do homem rico e do pobre Lázaro ( CF. LC 16, 19-31 ). Deixemo-nos inspirar por esta  página tão significativa, que nos dá a chave para compreender como temos de agir para alcançarmos a verdadeira felicidade e a vida eterna, incitando-nos a uma sincera conversão.

1. O OUTRO É UM DOM

A parábola inicia com a apresentação dos dois personagens principais, mas quem aparece descrito de forma mais detalhada é o pobre : encontra-se numa condição desesperada e sem forças para se levantar, caído á porta do rico na esperança de comer as migalhas que caem da mesa dele, tem o corpo coberto de chagas, que os cães vem lamber ( CF. W. 20-21). Enfim, o quadro é sombrio, com o homem degradado e humilhado.
A cena revela-se ainda mais dramática, quando se considera que o pobre se chama Lázaro, um nome muito promissor pois significa literalmente, " Deus ajuda ".
Não se trata duma pessoa anonima; antes, tem traços muito concretos e aparece como um indivíduo a quem podemos atribuir uma história pessoal. Enquanto Lázaro é como que invisível para o rico, a nossos olhos aparece como um ser conhecido e quase de família, torna-se um rosto; e, como tal, é um dom, uma riqueza inestimável, um ser querido, amado, recordado por Deus, apesar da sua condição concreta ser a duma escória humana ( CF. HOMILIA NA SANTA MISSA, 8 DE JANEIRO DE 2016).
Lázaro ensina-nos que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas consiste em reconhecer, com gratidão, o seu valor. O próprio pobre á porta do rico não é um empecilho fastidioso, mas um apelo a converter-se  a mudar de vida. O primeiro convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do nosso coração ao outro, porque cada pessoa é um dom, seja ela o nosso vizinho ou o pobre desconhecido. A Quaresma é um tempo propício para abrir a porta a cada necessitado e nele reconhecer o rosto de Cristo. Cada um de nós encontra-o no próprio caminho.
Cada vida que se cruza conosco é um dom e merece aceitação, respeito, amor. A Palavra de Deus ajuda-nos a abrir os olhos para acolher a vida e amá-la, sobretudo quando é frágil. Mas, para se poder fazer isto, é necessário tomar a sério também aquilo que o Evangelho nos revela a propósito do homem rico.




2. O PECADO CEGA-NOS

A parábola põe em evidencia, sem piedade, as contradições em que vive o rico ( CF. V. 19 ). Este personagem, ao contrário do pobre Lázaro, não tem um nome é qualificado apenas como " rico". A opulência manifesta-se nas roupas, de um luxo exagerado, que usa. De fato, a púrpura era muito apreciada, mais do que a prata e o ouro, e por isso se reservava para os deuses ( CF. JR 10, 9 ) e os reis ( CF. JZ 8, 26 ). O linho fino era um linho especial que ajudava a conferir á posição da pessoa um caráter quase sagrado. Assim, a riqueza deste homem é excessiva, inclusive um caráter quase sagrado. Assim, a riqueza deste homem é excessiva, inclusive porque exibida habitualmente : " Fazia todos os dias esplendidos banquetes" ( V. 19).
Entreve-se nele, dramaticamente, a corrupção do pecado, que se realiza em três momentos sucessivos : o amor ao dinheiro, a vaidade e a soberba ( CF. HOMILIA NA SANTA MISSA, 20 DE SETEMBRO DE 2013 ).
O apóstolo Paulo diz que " a raiz de todos os males é a ganancia do dinheiro" ( 1Tm 6, 10 ). Esta é o motivo principal da corrupção e uma fonte de invejas, contendas e suspeitas. O dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico ( CF. EXORT. AP. EVANGELII GAUDIUM, 55 ). Em vez de instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjulgar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço ao amor e dificuldade a paz.
Depois, a parábola mostra-nos que a ganancia do rico fá-lo vaidoso. A sua personalidade vive de aparências, fazendo ver aos outros aquilo que se pode permitir.
Mas a aparência serve de máscara para o seu vazio interior. A sua vida está prisioneira da exterioridade, da dimensão mais superficial e efêmera da existência ( CF. IBID., 62).
O degrau mais baixo desta deterioração moral é a soberba.O homem veste-se como se fosse um rei, simula a posição dum deus, esquecendo-se que é um simples mortal. Para o homem corrompido pelo amor das riquezas, nada mais existe além do próprio eu e, por isso, as pessoas que o rodeiam não caiem sob a alçada do seu olhar. Assim o fruto do apego ao dinheiro é uma espécie de sequeira : o rico não ve o pobre esfomeado, chagado e prostrado na sua humilhação.
Olhando para esta figura, compreende-se por que motivo o Evangelho é tão claro ao condenar o amor ao dinheiro : " Ninguém pode servir a dois senhores : ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro" ( MT 6, 24).



3. PALAVRA É UM DOM

O Evangelho do homem rico e do pobre Lázaro ajuda a prepararmo-nos bem para a Páscoa que se aproxima. A liturgia de Quarta-Feira de Cinzas convida-nos a viver uma experiencia semelhante á que faz de forma tão dramática o rico. Quando impõe as cinzas sobre a cabeça, o sacerdote repete estas palavras : " Lembra-te, homem, que és pó da terra e á terra hás de voltar ". De fato, tanto o rico como o pobre morrem, e a parte principal da parábola desenrola-se no Além. Dum momento para o outro, os dois personagens descobrem que nós "nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele" ( 1 TM 6, 7).
Também o nosso olhar se abre para o Além, onde o rico tece um longo diálogo com Abraão, a quem trata por " pai " ( LC 16, 24 - 27), dando mostras de fazer parte do povo de Deus. Este detalhe torna ainda mais contraditória a sua vida, porque até agora nada se disse de sua relação com Deus. Com efeito, na sua vida, não havia lugar para Deus, sendo ele mesmo o seu único deus.
Só no meio dos tormentos do Além é que o rico reconhece Lázaro e querida que o pobre aliviasse os seus sofrimentos com um pouco de água. Os gestos solicitados a Lázaro são semelhantes aos que o rico poderia ter feito, mas nunca fez. Abraão, porém, explica-lhe : " Recebestes os teus bens na vida, enquanto Lázaro recebeu somente males.
Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado" ( V. 25 ). No Além, restabelece-se uma certa equidade, e os males da vida são contrabalançados pelo bem.
Mas a parábola continua, apresentando uma mensagem para todos os cristãos. De fato o rico, que ainda tem irmãos vivos, pede a Abraão que mande Lázaro avisá-los; mas Abrão respondeu : " Tem Moisés e os profetas; que os ouçam" ( V.29 ). E, á sucessiva objeção do rico, acrescenta : " Se não dão ouvidos a Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos" ( V. 31 ).
Deste modo se panteia o verdadeiro problema do rico : a raiz dos seus males é não dar ouvidos á Palavra de Deus; isto levou-o a deixar de amar a Deus e, consequentemente, a desprezar o próximo. A Palavra de Deus é uma força viva, capaz de suscitar a conversão no coração dos homens e orientar de novo a pessoa para Deus. Fechar o coração ao dom de Deus que fala, tem como consequência fechar o coração ao dom do irmão.
Amados irmãos e irmãs, a Quaresma é o tempo favorável para nos renovarmos, encontrando Cristo vivo na sua Palavra, nos Sacramentos e no próximo. O Senhor - que, nos quarenta dias passados no deserto, venceu as ciladas do tentador - indica-nos o caminho a seguir. Que o Espirito Santo nos guie na realização dum verdadeiro caminho de conversão, para redescobrirmos o dom da Palavra de Deus, sermos purificados do pecado que nos cega e servimos Cristo presente nos irmãos necessitados. Encorajado todos os fiéis a expressar esta renovação espiritual, inclusive participando nas Campanhas de Quaresma que muitos organismos eclesiais, em várias partes do mundo, promovem para fazer crescer a cultura do encontro na única família humana. Rezamos uns pelos outros para que, participando na vitória de Cristo, saibamos abrir as nossas portas ao frágil e ao pobre. Então poderemos viver e testemunhar em plenitude a alegria da Páscoa.

VATICANO, 18 DE OUTUBRO DE 2016.
FESTA DO EVANGELISTA SÃO LUCAS,
FRANCISCO.

( FONTE : O POVO DE DEUS, FOLHETO LITÚRGICO DA ARQUIDIOCESE DE BRASÍLIA ).









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