SÃO JOÃO DA CRUZ
MESTRE DA REFORMA CARMELITANA
Nosso século programático parece crer que a fórmula eficaz para solucionar os problemas do mundo consiste principalmente em adotar medidas concretas no campo da ação, servindo-se de estratégias diplomáticas, recursos tecnológicos, tratados, leis ou medidas de educação.
Com efeito, muitas questões podem ser resolvidas por esses meios.
Mas bem diversa é a perspectiva da fé, a qual ensina que história está sob o olhar providente de Deus, e este a governa de acordo com desígnios eternos. Tudo está subordinado aos seus planos, sobretudo o que se relaciona com a salvação das almas.
NA VANGUARDA DA CONTRARREFORMA
A Santa Igreja Católica, ao longo dos seus dois mil anos de existência, comprovou por diversas vezes esta maravilha : homens de oração, levando uma vida de recolhimento, foram chamados a mudar o rumo dos acontecimentos.
A exemplo de Nossa Senhora, cujos desejos trouxeram a Redenção para o gênero humano, os justos movem o coração de Deus. A santidade pode ser considerada, sem risco de incorrermos num exagero, a verdadeira força decisiva dos fatos.
Como recorda um teólogo, ¨ há almas heroicas que nada recusam ao Amor. Deus as eleva infinitamente acima de si mesmas, as diviniza, as configura á imagem de seu Filho Único.
[...] Seus mais insignificantes atos cotianos, assim como os da Mãe de Deus, adquirem um valor quase infinito. A Igreja inteira se beneficia deles e sua vida corredentora resplandece sobre as de todos os homens, dando frutos de salvação.
Quem analisa os fatos com base em critérios terrenos pode ser surpreendido em seu juízo, pois ¨ a história do universo se reduz, em suma, aos avanços e recuos destas missões divinas [ nas almas ]. Todo o resto é secundário e perecerá¨.
Quando a pseudorreforma luterana se levantou contra as Leis de Deus e da Igreja, ergueu-se nas fileiras da Esposa Mistica de Cristo um brado de fidelidade partido de seus melhores filhos. Entre estes, coube a dois contemplativos espanhóis, cujos nomes ainda hoje são evocados pelos fiéis com especial veneração:
Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz.
AMPARADO E ESCOLHIDO POR NOSSA SENHORA
João de Yepes nasceu em 1542, no pequeno vilarejo de Fontiveros, incrustado nas amplas, planícies de Castela. Seu pai, Gonzalo de Yepes, era um membro da nobreza toledona que renunciou ás prerrogativas de sua origem para contrair matrimonio com Catarina Álvarez, uma humilde tecelã. Desta união nasceram três filhos, sendo joão o último deles.
A Cruz - que um dia esse menino escolherá com encanto para figurar em seu próprio nome - haveria de estar presente junto a ele desde seus primeiros anos. Os sucessivos fracassos nos negócios paternos levou o lar a uma situação de extrema pobreza, sanada apenas em parte pelos trabalhos de tecelagem do casal.
Entretanto, o maior infortúnio verificou-se quando o santo contava dois anos de idade, com o falecimento do pai, que foi acometido por uma dolorosa moléstia. A viúva, sem outro recurso que a proteção da Providencia, lanço-se numa luta sobre - humana pelo sustento da família. Indagada, pelos inocentes olhares dos filhos acerca do futuro, partiu para outros povoados e, finalmente, para Medina Del Campo, na tentativa de ser melhor remunerada por seus serviços. Destes anos marcados por provações restou uma preciosa recordação: o grande desvê-lo de Maria Santíssima por aqueles desamparados.
Certo dia, brincando com os amiguinhos em volta de um lago lamacento, João perdeu o equilíbrio e caiu, afundando na água lodosa. Ele logo voltou á tona, mas em seguida submergiu novamente e, enquanto se debatia sem conseguir se soerguer, notou que uma Dama de celestial beleza lhe sorria e oferecia o braço para resgatá-lo. Vendo-se, porém, tão sujo, não quis macular a alvura daquela senhora e se recusou a apoiar-se N´ Ela.
Afinal, um lavrador da região estendeu um galho, ao qual se agarrou e pode ser puxado para a margem.
Esse episódio inaugurou entre a Virgem e o menino um vinculo entranhado, que se prolongou por
toda a vida e o levaria anos mais tarde, a ingressar numa Ordem Mariana, como penhor de gratidão.
DESPONTAR DA VOCAÇÃO
Numa instituição de caridade de Medina Del Campo João aprendeu os rudimentos da doutrina católica, a acolitar a Missa e a cuidar da sacristia, entre outros oficios. Sua maior felicidade era exercer essas funções, pois junto ao altar expandia a alma em colóquios com o Divino Crucificado, em cuja companhia esquecia todas as privações.
Os benfeitores, dando-se conta da pureza ilibada daquela alma e, ao mesmo tempo, da sua aptidão para os estudos, favoreceram a entrada do jovem no Colégio dos Jesuítas. Ali permaneceu por vários anos aplicado em árduas matérias, enquanto meditava com seriedade acerca de sua vocação. Quando esta se tornou clara, não hesitou: bateu ás portas do Convento do Carmo pedindo o hábito de Nossa Senhora.
Uma página de sua Célebre Noite Escura nos permite vislumbrar os propósitos com os quais ingressou na Vida Religiosa. ¨ Ah, Deus e Senhor meu! Quão numerosos são os que em vós procuram consolo e satisfação, vos pedem merces e dons! Muito poucos, porém, são os que pretendem agradar-vos á sua própria custa, postergando seu interesse particular.
Pois, ó meu Deus, não está a falta em não quererdes vós fazer-nos novas merces, mas em não empregarmos nós só em vosso serviço as já recebidas, a fim de obrigar-vos a nos favorecer sempre¨.
No Carmelo de Medina Del Campo recebeu a tonsura, abraçando a regra da Ordem com o nome de Frei João de São Matias. Costumava passar longas horas diante do Sacrário e ajudava a Missa com prazer e alegria, até ser encaminhado pelos superiores para o noviciado em Salamanca.
A legendária universidade desta cidade vivia dias de glória, com mestres de grande erudição e cerca de sete mil alunos. Nos bancos estudantis o futuro Doutor da Igreja aprendia com esses sábios, mas lhes sobressaia em virtude, penitencia e recolhimento. Nesse ambiente de efervescente interesse filosófico e teológico ele conheceu a doutrina de São Tomás de Aquino, que mais tarde colocaria a serviço dos Carmelitas Descalços e utilizaria em seus escritos, conferindo-lhes especial solidez.
Na velha Catedral da cidade, Frei João de São Matias recebeu a Unção Sacerdotal aos 25 anos, com disposições verdadeiramente angélicas. Contudo, seus anseios de contemplação chamavam por um convívio com Deus muito próximo. Ao regressar a Medina Del Campo cogitava em trocar o Carmelo pela Cartuxa, onde, supunha ele, a oblação de si mesmo seria maior.
Nessas circunstancias encontrou-se com Santa Teresa de Ávila. A grande reformadora viera a Medina em 1567 fundar um Convento de Descalços e percebeu ser ocasião de estender a reforma ao ramo masculino, uma vez que já havia sido autorizada pelo Geral da Ordem a dar esse passo.
Numa entrevista decisiva com Frei João, na qual também esteve presente Frei Antonio de Heredia, Madre Teresa o convidou a tomar parte na santa aventura, pois seu discernimento indicava ser ele ¨ uma das almas puras e santas que Deus suscitou na sua Igreja.
Enquanto a fundadora se dispunha a conseguir uma casa para os primeiros descalços, Frei João, flexível ao sopro do Espirito Santo, prometeu considerar a proposta, mas pediu-lhe, com o empressement característico dos santos, que não demorasse muito...
Curiosamente, Frei Antonio era um homem de estatura imponente e Contrastava com Frei João, de compleição franzina. O encontro deixou a Madre entusiasmada, como manifestou ás suas Freiras: ¨ Ajudem-me, filhas, a dar graças a Deus Nosso Senhor, pois já temos Frade e meio para começar a reforma dos Religiosos¨.
O IDEAL DO CARMELO REFORMADO
A partir de então Teresa de Jesus contou com a inestimável colaboração de Frei João e ¨ sob a ação conjunta dessas duas almas de fogo, o movimento da reforma difunde-se como uma mancha de óleo¨. Nos Conventos onde atuam são banidas as concessões ao espirito do mundo, a mitigação no cumprimento da regra e a clausura passar a ser vivida em todo o seu rigor. Vive-se com a intenção de reparar as infidelidades cometidas contra a Igreja na época, e este heroico propósito aglutinada pujantes vocações : ¨ A autoridade e o fervor dos Descalços atraíram-lhes muitos homens de primeira plana; a austera grandeza da nova observância impressionava¨.
Frei João da Cruz - como passou a se chamar - foi protagonista das empolgantes páginas dos anos de fundação registradas nos anais do Carmelo Descalço, movendo-se entre mil floretti miraculosos.
Certa vez, conversando com Santa Teresa, foram ambos agraciados com o duplo dom do êxtase e da levitação, e uma das irmãs só conseguiu encontrá-los depois de passar várias vezes pelo locutório ao olhar para cima.
Contudo Frei João não deixou de sofrer também a fúria dos infernos, durante nove messes permaneceu encarcerado pelos Calçados, e no final da vida destituído de todos os cargos e abandonado num convento onde o superior o maltratou com extrema dureza ¨ Alguém menos experimentado no amor a Deus teria sucumbido ao peso de tais sofrimentos físicos e morais, mas ele tudo suportou com cordura, chegando a compor na prisão alguns dos poemas que mais tarde deram origem á sua obra literária.
EMINENTE DIRETOR ESPIRITUAL
Quem percorre as passagens da vida do Doutor Místico percebe que ele exerceu as mais variadas funções: foi mestre de noviços, prior, reitor universitário, e membro do capitulo com cargos diretivos.
Mostrou-se sempre dócil instrumento nas mãos dos superiores, servindo em todos os fronts e lugares.
Mas a sua sabedoria parece ter se revelado sobretudo na direção das almas. Por obra da graça, São João da Cruz foi conduzido aos cumes da via unitiva, sendo chamado a instruir seus filhos nos segredos da amizade com Deus. Aos penitentes, dedicava todo o tempo necessário; sua presença era discreta, de grande modéstia e mansidão, porém as penetrantes análises chegavam ao fundo das consciências, como se estas fossem um espelho límpido. Ouvindo as acusações ele logo divisava o foco dos males das almas e tinha para cada uma a palavra justa, inspirada pelo Espirito Santo. Todos os seus penitentes saíam do confessionário com animo redobrado para enfrentar a luta contra o pecado e progredir a passos largos nas vias da salvação, pois São João da Cruz, no Caminho da Perfeição, ¨ O não avançar e recuar; e o ganhar é perder ¨.
Um de seus conselhos mais veementes, repetido ao longo dos anos a todos quantos se colocavam sob sua orientação, era dar á primazia á vida interior:
¨ Advirtam aqui, pois, os que São muito ativos e pensam abraçar o mundo com suas prédicas e obras exteriores : muito maior proveito propiciaram á Igreja, e muito mais agradariam a Deus, além do bom exemplo que dariam, se gastassem ao menos a metade desse tempo com Deus, na oração [...]. Decerto fariam então com uma obra mais do que com mil, e com menos trabalho, pelos méritos de sua oração e nela havendo obtido forças espirituais; pois, de outra maneira, tudo é martelar e fazer quase nada, ás vezes nado, e até mesmo dano¨.
DOUTOR MÍSTICO
O principal legado do reformador á Família Carmelitana e á Igreja é, sem dúvida, a sua vida mistica. Deus, que não poupou a este filho os mais atrozes sofrimentos, deu-lhe já nesta terra grande recompensa : conforme ia purificando sua alma, convidava o servo fiel a gozar de sua intimidade, como costumava fazer aos melhores amigos.
Frutos da correspondência eximia de São João da Cruz aos favores recebidos é sua trajetória espiritual bastante rica e fecunda, que se revela uma escola segura onde são instruídas as almas, dentro e fora dos Conventos. A ascensão ao cimo do Monte Carmelo, imagem do estado de perfeição, atingido por meio de purificações e pela noite escura, tornou-se um dos símbolos de santidade mais conhecidos da piedade católica.
Este tesouro está consignado na sua obra escrita, tratados e poemas :
Subida ao Monte Carmelo, seguida pela Noite Escura, Cântico espiritual e Chama viva de Amor.
Os dois últimos, difíceis de serem compreendidos por principiantes, são versos comparáveis a um requintado licor, o qual exige do apreciador paladar apurado. É uma poesia ¨ angélica, celestial e divina, que já não parece deste mundo, nem pode ser medida com critérios literários. [ ...] Por ali passou o espirito de Deus, embelezando e santificando tudo¨.
MATINAS DIANTE DE DEUS!
No ano de sua morte, São João da Cruz confidenciou a seu irmão Francisco de Yepes que havia pedido a Nosso Senhor a graça de sofrer mais por Ele e de ser desprezado.
Seu desejo foi atendido, pois a partir de então os poucos messes de vida que ainda lhe restavam foram marcados por terríveis provações. Um conselho lúcido dado pelo Santo no Capitulo da Ordem, em junho de 1591, provocou a indignação de Frei Nicolau Dória, o superior geral. Este o destituiu de todos os cargos e o mandou como simples Frade para um convento distante, como teria feito a um filho perverso.
Aos 49 anos, Frei João já não esperava mais nada deste mundo; queria apenas ser consumido qual chama de amor viva. Uma virulenta inflamação na perna direita assumiu proporções preocupantes em pouco mais de três messes o tomou por inteiro. Em Úveda, na Andaluzia, ele edificou a comunidade com a aceitação de todas as dores e recebeu a revelação do momento de sua morte: a meia - noite de 14 de Dezembro. Poucos minutos antes do instante indicado, exclamou: ¨ A essa hora, estarei diante de Deus Nosso Senhor a rezar as matinas ¨! E na virada do dia, expirou em inteira paz.
O insigne Doutor da Igreja deixou aberto atrás de si caminho privilegiado para se chegar ao céu, seguido por legiões de almas amantes do holocausto como meio de expiação pelas faltas da humanidade pecadora. Seus anseios de restituição ao Criador haviam se cumprido, tal como ele desejara ao ingressar na venerável Ordem do Monte Carmelo:
¨ Esta é a grande satisfação e contentamento da alma:
ver que dá a Deus mais do que ela é e vale em si mesma, com aquela mesma luz e calor divino que
d´Ele recebe¨.
( FILME DE SÃO JOÃO DA CRUZ )
SÃO JOÃO DA CRUZ, ROGAI A DEUS POR NÓS!!!!!!
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